O diário de um cancelamento

Era dia 14 de agosto. Fui pra São Paulo gravar os podcasts do Denilson e do Meireles e também ir ao jogo SPFC x Corinthians ver meu Tricolor se classificar. No dia seguinte eu iria pra Orlando, onde tiraria 30 dias de férias pra cuidar da minha saúde que anda uma bosta. 

Gordo, né? Vocês sabem como é. O gordo é a alegria do mundo, mas ele sente dor em tudo, batimento sobe, fica ansioso, come mais e só um Rivotril ou um hambúrguer o acalmam de fato. 

E então, indo pro Denilson, um motoboy passa e rouba meu celular.  Eu não sabia que era um sinal “motoboys na sua vida! Atenção!”. Achei que era so um aparelho. Enfim. Me fudi, não fui pro jogo, viajei pros Eua sem celular e levei 3 horas e meia pra encontrar a casa que aluguei. 

Começamos bem! 

Lá estou nos EUA cuidando da saude. Perdi 5 quilos, tomei sol, meu batimento foi de 110 pra 65! Eu tava me achando um atleta quase. Aí eu via a loja do dukin donuts e lembrava que eu era só gordo mesmo. 

Bom, tô relaxadão. 

Aí acordo um dia, abro meu Instagram e pessoas me xingando. Mas xingando de verdade! Não era aquela coisa do meu dia a dia de “foi pênalti”, “não foi”, “seu clubista!”. Era ameaça de morte, ofensas pesadas. Não entendi, comecei a procurar. Eu não tinha feito nada ué? De onde veio aquilo? 

Achei um perfil sobre racismo me chamado de Bolsonarista e contando um caso de forma bem escrota. Que eu agredi um entregador por ele não subir na minha casa.  Eu postei nos stories e falei “que absurdo!”. 

Ah, o entregador nem era preto. 

Fiquei nervoso. Comi um donut.  Tinha parado de fumar, fui no smoke shop e comprei logo dois. 

Aí achei que era um perfil covardão de militante democrático que tenta destruir quem pensa diferente democraticamente. Mas em seguida vieram outros 2 perfis (todos com viés politico) e 3 sites (todos de esquerda) e começaram a repetir a narrativa. E ela não fazia sentido porque eu dizia no video que ele subiu, que quando disse que não iria eu respondi que “tudo bem”, e que portanto não havia discutido com ele por esse motivo. 

Agressão? Que agressão? Eu peguei um alfajour e joguei nas mãos dele na hora que discutimos pra ele ir embora e entrei. 

Surgiram Felipe Neto e Janones. Fiz uma conta rápida: Isso tem 3 meses, a entrevista foi vista por 50 mil pessoas das quais NENHUMA sequer notou esse trecho.  E do nada um dia ela sai em diversos sites do mesmo perfil e com um deputado petista tentando se promover em cima. 

Ah, não Rica! Não vai me dizer que você achou que foi orquestrado! Ai ai ai! 

Comi outro donut. Tava puto. 

Meu advogado me ligou. “O que houve?”.

– Não sei! 

Ai notei que tinha uma divisão muito difícil de explicar. O carioca entendeu fácil porque eu esperava que ele fosse subir. Aqui, 99% das vezes eles sobem. O paulista achou um absurdo, porque lá ha 15 anos entrega na porta do prédio. 

Quando isso começou a virar um massacre eu fui na rede social, olhei e deletei.  Não queria ficar vendo. Não tinha o que fazer. Gravei um vídeo, expliquei, e fim de papo. Vou fazer o que? 

 Alguns veículos de imprensa sérios me procuraram e perguntaram o que houve. Contei, a notícia saiu sobre a repercussão e não sobre uma suposta agressão. Simples! Era só isso.

No meu planeta duas pessoas discutirem porque não se entenderam é a coisa mais banal do mundo. Mas como eu não sou da patota, não fiz o L, precisamos dizer que alguém que votou no Bolsonaro é violento e escroto. Mais um dia de imprensa, nada anormal. 

Irritado, sem ação, comi uma lasanha. Foda-se.

Eu já estava com os batimentos a 110 em repouso. Fumando de novo, tomando Rivotril e queria reagir. Meu instinto é me defender. E meu advogado dizendo “não. Espera.”. Torturante! Mas esperei. 

E comi um hambúrguer do Five Gays. 

E aí vinha a dúvida. O cara, se aparecer, é um oportunista que vai fazer uso da narrativa da imprensa ou vai ser honesto? 

Aguardemos. 

Eu já sabia que tinha emissora atrás do cara pra me fuder. Tinha pauta de tv pronta pra ir pro ar com a minha cara desde que o entregador falasse o que eles queriam ouvir. 

Eu tenho amigos em todos os jornais, sites e emissoras. Eu sei tudo que vai acontecer.  E também sei dos podres de muita gente que se acha corretíssima. 

E então ele apareceu. Ele e o advogado deram uns depoimentos, meio que se protegendo por não saber juridicamente o que seria. Eu fiz o mesmo, mas fiquei quieto porque eu já havia falado. 

Dois dias depois veio o que eu queria pra agir. O que ele registraria oficialmente?  Eu podia processa-lo. Era a palavra dele e a minha, sem testemunhas. Mas porra, eu to sendo massacrado, to errado e vou processar o cara? Tirar grana dele? Era uma alternativa mas não dava nem pra considerar transformar isso numa disputa judicial. E então ele registrou oficialmente a queixa.

Injuria. Só. Sem discriminação, agressão, nada! Só a injuria. 

Liguei pro advogado e falei “pode entrar em contato, o moleque é honesto”. 

As pautas foram caindo. Como que a gente publica uma injuria se falamos em agressão? Como que ele conta que foi na porta do apartamento a discussão se insinuamos que ele desceu pra agredir o rapaz? 

Fudeu, né? Mas o processo dessa vez vai chegar. Cansei. 

E então comi um pudim. 

Chamei o Marcinho no direct. Falei “mano, independente das questões jurídicas que isso vai dar, quero me desculpar porque te xinguei primeiro e portanto to mais errado ne.”. Ele ficou aliviado, falou que não aguentava mais aquilo. Conversamos sobre o Vasco, Neymar, vi que ele era do pagode como eu.  Tranquilo. Gente nossa. 

Mandei meu advogado acertar com o dele uma quantia pra ajudar a melhorar a moto dele como um pedido de desculpas e soltaríamos uma nota sobre isso encerrando as mentiras.  Em momento algum ele tentou me extorquir.  

Tudo feito. Postado. E a imprensa que achou relevante não achou mais relevante registrar a verdade e o fim da história. Porque será? 

Quem viu, viu. 90% de quem leu, não sabe que eu e ele esclarecemos publicamente que não houve agressão, discriminação, nada disso. 

E, enfim, em paz, eu pude comer uma pizza. 

Fui pra Cancun. Ia voltar pra ver a decisão. Mas tinha tanto motoboy em São Paulo puto achando que eu era louco por pedir que alguém subisse e ainda acreditando na narrativa de que o agredi que eu tive medo de ir ao jogo. Fiquei.

Fui campeão da Copa do Brasil no México. Chorei igual uma gazela, diga-se. E comi pra comemorar, claro!

Todo bobo andando com a camisa tricolor nas ruas do México e ouvindo “San Pablo!” a cada esquina porque né… time internacional é foda. 

E então voltei. Puto! Mas voltei e agora fico rindo da zoeira que os entregadores fazem comigo. Tô sofrendo bullyng! Toda vez que um me encontra ele me zoa dizendo “não vou subir nao hein saopaulino”.  Mas sobem. Todos. 23 pra ser exato desde que voltei. Ou seja 100% dos pedidos, só pra explicar que não sou maluco nem folgado. 

Ok, folgado eu sou. 

Agora é processo, advogado, encheção de saco, jornalista fodido me ligando pedindo desculpas pra eu não processar porque a mulher dele tá gravida…  E eu, idiota, não processo porque fico com pena. 

Eu tenho tanto defeito, posso fazer uma lista sem fim. Mas eu não sou bolsonarista, petista, não sou homofóbico, racista, mal educado, não agrido ninguém, trato as pessoas bem pra cacete, não sou burro, fascista e nem covarde. Consigo tomar cerveja com o líder do Psol, com o Bolsonaro, um policial e um bicheiro.  Consigo discordar de um dirigente e ouvir tudo que ele pensa sobre.  Consigo que todo jogador me atenda quando eu ligo. E que todo clube me receba quando eu preciso de algo. 

É que vocês se preocupam demais em ter moral com o chefe. Preocupem-se em ter público, respeito dos protagonistas do que você cobre e não o tapa nas costas do editor. Ele vai ser demitido um dia e não vai te ajudar.  Parecer ser alguém no ar que você não é no bar te deixa sob o risco constante de ser desmascarado. E viver pisando em ovos não faz bem pra saúde. 

Só eu sei o que me doeu devolver aquele alfajour pro entregador. Pra um gordo profissional um Havana é um Havana. E era de chocolate branco! 

Isso sim me fez sofrer.

Paz. Vou almoçar. 

RicaPerrone