#10anosdoTri
Tenho um déficit de 8 horas de sono na vida. Carrego comigo essa sonolência atrasada desde 31 de agosto de 1994, dia que o Chilavert, aquele filho da puta, bateu no peito tão forte pra rir de nós que o silêncio de 120 mil pessoas nos permitiu ouvir.
Foi roubado, como é pra todo torcedor quando perde um título. Mas foi insuportável não poder voltar no tempo e empurrar a segunda bola pra dentro ou evitar que Palhinha batesse o pênalti.
Lá se foram longos 11 anos. O São Paulo de 2004 ficou no quase, o de 2005 também vivia sob desconfiança. Mas alguma coisa ali mudou quando eliminamos o River e o árbitro nas semifinais.
A decisão foi contra um Tatu na árvore. O Atlético PR chegou porque a Copa das Confederações levou o time todo do Santos e do Chivas, os adversários de quartas e semi finais do Atlético. Deu uma sorte absurda, mas nada tem com isso.
Na decisão, onde o primeiro jogo empatou, o SPFC só precisava vencer no Morumbi. Mas no dia que vencer uma final for “só”, eu paro de ver futebol.
Era 17h e eu estava no Morumbi já. Fiz meu pai ir mais cedo comigo, eu precisava estar lá pra me acalmar. Esperei 11 anos pra gritar o Tri que ficou preso em 94, e aquela oportunidade não se repete sempre. Vi cada torcedor chegar ao Morumbi, cada barraquinha de calabresa ou hot dog ser montada.
Vi a noite cair, os fogos surgirem isoladamente. Os gritos tímidos de “ooooo é tricolor” a cada grupinho que chegava. Você pode não acreditar, mas a Libertadores no Morumbi tem um cheiro.
Você sabe quando é Libertadores e quando é Brasileirão apenas respirando fundo. É incrível. Cheira calabresa, urina, fumaça, ansiedade e paixão. Porque ninguém gosta tanto da Libertadores quanto o sãopaulino.
Lá pelas 19h compramos as faixas de campeão mas guardamos no bolso. Não se coloca faixa antes do jogo. Fiz isso contra o Vasco em 89 e nunca mais. Subimos pras arquibancadas as 19h30. Porque? Porque eu não conseguia mais não estar lá dentro. Era mais forte do que eu. Eu tinha que entrar. Ter certeza que tudo aquilo era real.
Pois as 21h40 o Morumbi explode numa festa possível dentro das regras estúpidas da PM de São Paulo que impedem a festa alegando que bandeiras são um perigo.
Me lembro de rezar pra alguém. Não sei se sou ateu, se tenho religião. Acho que não. Mas eu rezei muito pra alguém me dar aquele título. Eu precisava muito daquela alegria, também por questões pessoais de momento.
Tenho vaga lembrança de duas frases. O apito do juiz e eu digo: “Boa sorte, pai”, e o abraço. Em seguida eu grito: “Vamo são Paulo caralho!!!!”. E dali pra frente me lembro de ter passado o jogo em pé, suando com 10 graus no termometro, contando os gols da goleada e tentando acreditar que seria tão fácil.
Mas não foi. Teve um pênalti roubado pros caras. Que aliás, quando bateu na trave explicitou o resultado do jogo. Ninguém faria gol no São Paulo naquele dia. Se o Barcelona de Messi e Neymar jogasse no Morumbi naquela noite, ganhariamos. Simplesmente porque não havia qualquer possibilidade daquela festa não acontecer.
Os emblemáticos lances de Cicinho vibrando com um carrinho. Lugano perturbando o Fabricio no pênalti, Fabão chorando, Luizão com as mãos no rosto como um garoto arrependido de ter sido vendido pra um clube japonês.
No 3×0, gol de Luizão, tirei a faixa do bolso e coloquei no meu pai. Ele fez o mesmo. E pela terceira vez nos abraçamos comemorando a conquista da América.
Eu sei que não é pra qualquer um. Ao contrário, a Libertadores pra muitos ainda é um sonho. Mas o sãopaulino é sortudo, abençoado, mal acostumado.
Caralho, faz 10 anos. Eu não sei bem explicar os motivos pelos quais os títulos que vieram a seguir não tiveram sequer sabor parecido. Mas posso afirmar, pelos rumos do futebol, pelas novas arenas e por tudo que estamos assistindo, que aquela foi a minha última noite perfeita.
Na próxima eu vou me sentar numa cadeira estofada, numerada, talvez longe da turma. Talvez eu nem possa falar palavrão ou tirar a camisa. Talvez sequer haja Libertadores daqui 10 anos.
Dia 14 de julho de 2005. Quando uma vida vale a pena por 90 minutos.
Por isso digo sempre que o jornalista esportivo que renega seu clube de infância é um tremendo ingrato. Eu não sou.
Obrigado, São Paulo. Te amo.
abs,
RicaPerrone