Aula 1: Muricy Ramalho
Como fiz há alguns anos e aprendi muito, resolvi fazer de novo e dividir com vocês, possíveis interessados em aprender o que aprende um treinador iniciante em seu curso. O curso de técnicos de futebol é feito pelo sindicato dos treinadores de São Paulo, dura 5 dias e tem diversas palestras e atividades.
Esta semana farei o curso e dividirei com vocês o que de mais relevante for feito e dito por lá. Assim, de alguma forma, vocês também aprenderão o que eu vou aprender.
O curso é pra cerca de 100 pessoas e terá, nesta edição, palestras de Muricy, Renê Simões, Jorginho (Lusa), Parreira, W Joaquim de Morais e outros tantos. Ao menos os mais importantes eu vou dividir com vocês.
Na “sala de aula” tem, como sempre, ex jogadores afim de seguir carreira. Hoje encontrei César, ex-zagueiro da Lusa e Cocito, aquele.
A primeira aula, após cerimonia de abertura com hino nacional e tudo, foi do professor Muricy Ramalho, “meu ídolo”.
Sua palestra é rica em filosofia. Ele a faz por tópicos e não surpreende muito no que ensina. Sabemos bem quem é Muricy e o que ele pensa, não foge do personagem que assistimos na tv há anos.
Focado em 99% do tempo em evitar erros, sua aula é uma aula de defesa, de detalhes e de como anular o adversário. Assim como vi em 3 anos de SPFC, a preocupação ofensiva é quase nenhuma na parte tática. O que diz respeito ao ataque fica em bola parada.
Muricy abre sua aula em tópicos. Vou tentar segui-los a risca.
Preparado
O professor explica que todo ex-jogador se acha preparado para assumir o cargo, mas não é assim. Fala da importância de aprender e de se preparar para encarar a profissão. Cita que em 95, quando Parreira chegou ao SPFC, recusou oferta do Atlético PR para assumir o time principal porque achava que era mais inteligente aprender com o atual campeão do mundo.
Muricy menospreza o dinheiro em seu discurso o tempo todo. Dá a impressão de ser um sujeito apegado apenas ao futebol e livre de qualquer desejo material. De olhos fechados eu diria que é o Chico Xavier do futebol. Abrindo-os, só o Muricy.
Estudar sempre
Diz que é preciso estar o tempo todo vendo jogos e tendências do futebol para não ser pego de surpresa jamais. Jogadores, times, etc. E diz que quando vê uma entrevista de um técnico dizendo que “não conhece bem o adversário”, fica bravo.
Comando e relacionamento
Insiste boa parte de sua palestra nisso. Fala em como controlar o time e repete exaustivamente que o comando do grupo é altamente importante pra qualquer trabalho. Por outro lado, é contra se relacionar com jogadores. Cada um faz o que bem entender, sua relação é apenas no campo.
Organização e Planejamento
Citou o exemplo do Santos, que desde que venceu a Libertadores sabe o que está fazendo. Citou bastante o fato de sempre ter tudo sob controle e a importância em planejar a temporada. Aproveitou para detonar os dirigentes e seus “planejamentos” mentirosos, onde tudo parece feito pra 12 meses desde que 2 derrotas não mudem tudo. Criticou o Botafogo pela demissão do Caio Jr. faltando 3 rodadas.
Convicção, não teimosia
Sim, o tópico era este. Se disse convicto no que faz. Disse que mesmo em dúvida, deve sempre ter convicção do que está fazendo. Deu a entender que, mesmo que não saiba, mostre parecer saber o que está fazendo. E depois fez um discurso sobre teimosia que não convenceu ninguém. Afinal, sabemos, se há um teimoso no futebol é o Muricy. Quando ele enfia um meia na lateral não tem Cristo que tire. Mas ele não assumiria isso, óbvio.
Ser treinador, não “tudo
Aqui começa o festival de indiretas pro Luxemburgo. Diria, e comentei após o curso com o colega Marcelo Bechler da Rádio Globo que o Muricy é o extremo oposto do Luxemburgo. A única grande diferença é que há 15 anos o futebol privilegiava o Luxemburgo, hoje, mais pragmático e feio, privilegia o que acredita e prega o Muricy.
Falou que não se interessa por estrutura, grama, nada! Quem cuida disso são os responsáveis por isso, não o técnico. Disse até que na conversa que teve com o presidente do Santos combinou: “Você cuida do seu clube e eu cuido do seu time”.
Foco
Repetiu tudo que disse no tópico anterior. Foco, nada de pensar na grama, nada de palestras por ai, nada de virar celebridade e de ficar muito vaidoso.
Entre um tópico e outro…
– Elogios ao Parreira, seu professor.
– Confirmou que suas referências são Minelli e Parreira. Não o Telê.
– Lambeu o futebol europeu e sua incrível organização.
– Citou que bom é o Arsenal, que não ganha nada e mantém o técnico.
– Disse que começar de cima não costuma dar certo.
– Despreza e ironiza bastante o lado motivacional dos técnicos com seus times. Para ele, pura bobagem. ]
Muito treino e repetição
Muricy diz que seu time é vencedor porque treina muito e repete jogadas até acertar.
Motivação
Novamente entra no tema pra dizer que quem está num time grande ganhando o que ganha não precisa motivar. Bobagem, ele sabe que é bobagem. Segundo ele, quando dá certo, usam isso de motivo. Quando dá errado, ninguém fala nada. Na real Muricy não tem o preparo ( e assume isso) para lidar com o psicológico dos jogadores. Assim sendo, se desfaz do método para não reconhecer uma falha.
Preleção
Cita a importância de dar tudo pro time. Os dados do adversário, como será a bola de escanteio, a bola parada, a formação e os dados até do juiz. Usa poucos números, muita informação simples para que os jogadores entendam. Na tela ao lado, a foto mal tirada por mim do que ele explica sobre a zaga do Penarol pro time do Santos antes da final.
“Todos” no Brasil são técnicos
Aquele alerta básico para dizer que seja o que for que você fizer sempre terá um técnico monstruoso na arquibancada ou na imprensa pra dizer que faria melhor e que você está louco. Pede que ignorem isso e cita que a paixão pelo futebol é exatamente a sensação de que todos sabem o suficiente pra discuti-lo.
Contrato e seleção
Repetiu a história que deixou nas mãos do Celso Barros a ida pra seleção. Ele disse “não”, e ele ficou. De novo, insisto, fez enorme uso de marketing pra transformar a recusa DO CLUBE numa recusa pessoal e virar “o cara que ficou pra ser campeão”. Na real, “ficaram com ele”. Muricy disse SIM a seleção.
Comparação entre técnicos brasileiros e europeus
Uma exaltação pior do que as minhas com jogadores. Segundo ele, os de lá não precisam fazer nada. Bons são os daqui que se viram com o que tem, dirigente ruim e planejamento zero. Lá, segundo o mestre, é só pedir 10 craques que vem. Ou seja, para ele existem 8 clubes na europa. Mas, enfim, não acho importante essa comparação mesmo…
Desgaste dos técnicos
Ele se contradiz um pouco aqui. Fala que desgasta, que relacionamento é complicado, diretoria, elenco, imprensa… Mas, o mesmo cara que dizia que ficar 2 anos num clube já é bastante, ficou mais de 3 no SPFC . Exalta que o Arsenal tem o técnico há 5 anos e… lá não desgasta? Enfim, uma tese meio perdida em argumentos.
Considerações finais:
Sem medo de errar, Muricy é o sujeito que olha todas as possibilidades de dar errado e as cerca. É esse seu trabalho, é só isso que ele demonstra. Ele foca 99% do relatorio rival onde é preciso pará-los e não onde agredi-los. Foca em todos os possiveis erros a serem evitados, nunca nos acertos a serem criados.
Muricy é sim um técnico “retranqueiro”. Sua tática de jogo é claramente “anular o adversário” e resolver num detalhe, numa bola parada ou num craque como Neymar.
Funciona? Funciona. Eu não gosto. Acho covarde, mas é pessoal. Você pode achar o máximo, eu acho péssimo pro futebol esse tipo de jogo.
Muricy parece uma pessoa menos dona do mundo no Santos. Praia, menos pressão e o título do mata-mata deram paz a ele. Agora ele se preocupa em atingir apenas o Luxemburgo, não mais a todos os demais técnicos como há 4 anos quando fiz o curso pela primeira vez.
Você sai de lá tendo assistido ao anti-Luxemburgo. O sujeito que parece ter como linha fazer tudo ao contrário do que o técnico rubro-negro faz. Ele cansa de colocar situações e dizer “eu não”, onde claramente sabemos “quem sim”.
A interpretação que faço é que o futebol que aceitava o futebol do Luxemburgo acabou e veio esse futebol moderno, chato, pragmático e consagrou técnicos com essa filosofia. Não se esqueça que o Tite lidera o Brasileirão, o Roth ganhou a Libertadores em 2010 e o Muricy é o técnico que “ganha tudo” no futebol brasileiro hoje.
Ou seja, algo mudou. Ou eles fizeram um pacto e resolveram virar gênios juntos? Meio clara a resposta.
Muricy tem muito cuidado com tudo. Ele cerca até o lateral adversário. E se der, com a bola, o time dele se vira pra fazer o gol. Sem exagero, é possível dizer que a preocupação ofensiva do Muricy beira o 1%. E este 1% é bola parada.
Boa palestra, boas dicas, muito auto-elogio, muito menosprezo com o que discorda e um bom humor incomum com as pessoas antes e depois.
Este foi Muricy.
Amanhã tem mais. Aprenderemos juntos.
abs,
RicaPerrone