São Paulo

12.12.92

Não vou dizer que foi o “melhor dia da minha vida” porque a Libertadores eu estava no estádio e nada se compara a estar presente numa decisão. Mas foi um dos melhores, e hoje faz 20 anos.

Tinha 14, meus pais tinham se separado há pouco tempo e eles ainda procuravam formas de não nos dizer “não”. Me aproveitei do drama e do histórico de ter ido a todos os jogos do SPFC na cidade de SP naquele ano para pedir, no dia 12/12/92, para ver o jogo na Av. Paulista junto da torcida.

Meu pai morava na consolação, ali perto. Minha mãe e eu no Morumbi. Combinamos então que ela atravessaria a cidade pra me levar e la pelas 3 da manhã meu pai me pegaria num posto de gasolina. Não tinha celular, pager, porra nenhuma. Era na base da confiança.

Era 12/12/92. Pra mim, ontem.

Passei um dia do cão. Nervoso, ansioso, vendo televisão, lendo a mesma matéria do jornal 10 vezes, estudando o time, trocando a camisa até achar que daria mais sorte.  Contei os minutos, os segundos, até que chegou a hora.

O jogo era dia 13, só que lá. Aqui, o dia do nervoso era 12 e só vira 13 quando a gente dorme e acorda. Pelo menos aos 14 anos era a indicação de “outro dia” que eu tinha.

A meia noite começava. Já era 13, mas não era.

Cheguei a av. paulista atrasado. Quando desci do carro ouvi um silêncio insuportável para uma festa. Era gol do Barcelona. Stoichkov, aquele filho da puta, havia feito o que não planejei durante os últimos meses de ensaio mental para o jogo.

Lá se vão 13 minutos, o 1×0 no placar e enfim eu conseguia ver o telão no meio da Av. Paulista.

Aos 14, era grandinho. Mas na minha classe, não na rua.

Entre um e outro fui me virando pra conseguir ver o jogo. Com bandeira, camisa, boné e hoje o equivalente a 50 reais.  Queria guardar pra compras a faixa, que custava 10 antes do jogo, 30 depois.

Normalmente assisto a jogos importantes com meu pai. Naquele dia não deu, ele viu em casa, eu na rua.

A bola rolando, as mãos coladas no peito e muito nervoso.  Aos 27 minutos, Muller girou e deu pra Raí, meu ídolo, que ali se transformava em herói.

De perna, de barriga, de joelho…  Bola na rede, 1×1.

O tal Barcelona,  tão “virgem” quanto o Tricolor em mundiais, não era um bicho papão. Ao contrário, tinham medo do meu São Paulo.

E de pé em pé tocamos a bola em busca da virada. Os espanhois já não escondiam a surpresa quando discutiam entre eles a cada ataque tricolor. E nós, eufóricos com a possibilidade de desbancar os tais “imbatíveis”,  empurravamos como num estádio.

Eles não podiam nos ouvir, em tese. Mas era tão alto, tão intenso que tenho lá minhas dúvidas.

Ronaldo Luis salva uma bola em cima da linha. Temos o segundo herói da noite.

Intervalo, nervoso, expectativa, orgulho, medo.

Volta a rolar a bola. O São Paulo, de novo, manda no jogo.  Alguns pediam um reserva salvador da pátria, outros torciam calados, outros gritando a todo passe errado. Eu assistia sem me mexer. Não conseguia, era uma paixão tão dependente, tão responsável pela minha personalidade que não tinha mais nada a ver com futebol.

Passei os limites do fanatismo. Durante a década de 90 fui o mais alucinado e fanático torcedor de quem tive notícias. Talvez por isso hoje eu seja tão “difícil” pro meu time.

Se o São Paulo perdesse, eu perdia meu maior orgulho, a razão, a alegria…. tudo! Eu vivia em função do São Paulo e não me arrependo de nada disso. É preciso ser um doente pra poder lidar com eles no futuro. E hoje, falo com “Ricas Perrones de 92” o tempo todo.

Sei que aos 30 minutos do segundo tempo eu tinha lágrimas de desespero correndo no rosto. Não chorava! Eram lagrimas, mas não um choro. Escorriam e eu não tinha coragem de soltar as mãos uma da outra para limpar.

Rezava pra um Deus que nunca acreditei existir. Pedia ajuda pra santos que sempre fiz piada e se me dessem um tambor eu batia pedindo pra algum orixá.

32 minutos e do meu lado um tiozinho ajoelhou. Eu, querendo imitar, querendo ajudar, querendo fazer alguma coisa de diferente, fiz o mesmo.  Ao nosso lado mais de 10 cairam de joelhos em frente ao telão esperando aquele golzinho que planejamos por meses enquanto não pegavamos no sono.

E de joelhos ha menos de 1 minuto, falta para o São Paulo. Todos em pé, o tio grita: “Deu sorte! Ajoelha!”.

E todos voltam a ajoelhar no asfalto da av paulista.

Rai, Cafu, Raí…. a bola viaja por uns 4 minutos e não cai nunca…. Até que toca a rede, e todos pulam enlouquecidos se abraçando por um título que até outro dia não era sequer sonhado, quanto mais planejado.

Eu não.

Fiquei. Não tive reação. Olhei pra tela e aí sim, chorei. Ajoelhado sozinho enquanto todos pulavam e batiam com joelho e bandeiras na minha cabeça eu era o sujeito mais feliz do mundo.

Mas ainda tinham 10 minutos. E nenhum sofrimento é tão forte que não possa piorar.

O telão apaga.

Dez minutos que nunca assisti.

Tentando fazer silêncio pra que 5 pessoas nos informem o final do jogo numa barraquinha de cachorro quente, milhares de pessoas andavam de um lado pra outro na dúvida entre quebrar a av paulista inteira ou rezar pra terminar daquele jeito.

Não chega mais notícia nenhuma. Quem tinha rádio informa: “39”, “40”, “43”….

Até que ficamos mudos. E quando aquele trio olhando uma tv na barraca da cachorro quente gritou “acabou”,  não havia mais nenhum problema no planeta terra.

Subi num poste com a bandeira e cantei por mais de 20 minutos pendurado numa semáforo até não ter mais forças pra me segurar. Desci, corri a avenida paulista de um lado pra outro parando em cada vendedor e comprando uma lembracinha.

Não bebia,  e não bebi nem água.

Todo dinheiro que tinha gastei em faixas, bandeiras do japão, faixinhas de cabeça, tinta pra passar no rosto… Tudo!

As 3 da manhã meu pai chegou no lugar combinado e me viu com 3 faixas de campeão, uma na testa, tintas tricolores no rosto e um sorriso que eu duvido ter sido capaz de repetir nos 20 anos seguintes.

Nos abraçamos, daquele jeito durão dele, mas pude dar a ele uma das minhas faixas. Ele não colocou, só olhou, agradeceu e guardou.

Fui contando o caminho todo de um jogo que ele também tinha visto. Mas ouviu, porque também queria reviver aquilo sempre que possível.  Em casa, não tinha como dormir. Queria ver tv, mas a tv não falava nada. Já tinha listras coloridas e não havia tv a cabo.

Era preciso esperar o dia seguinte, e acordado eu esperei. As 6 estava na banca pra comprar os jornais, o poster, tudo!

Andei pelas ruas com a camisa do São Paulo até quarta-feira. Não, não lavei.  Fingia que estava limpa e usava de novo! Até não ter mais como esconder a sujeita.

E lá se vão 21 anos.

Cá estou, jornalista, “imparcial”, “frio” e com a insuportável tarefa de analisar e ponderar paixão.

Se a vida começasse agora, sãopaulino eu seria de novo. E se pudesse refazer cada bobagem que fiz por futebol na minha vida, faria com mais paixão, mais fanatismo e ainda menos razão.

Porque hoje eu não sou mais assim, e adoraria ser.

Você quer conhecer jogadores, trabalhar com futebol, viver tudo isso de pertinho. E eu, daqui, queria ser você e estar na fila do Morumbi lotado hoje passando aperto e morrendo de raiva do Galo estar no Mundial.

Não estou. Estou feliz que ele esteja lá.

Há 21 anos, estaria.  Porque não raciocinaria.

E fatalmente estaria sentindo algo muito mais puro e especial do que o que sinto hoje em dia.

abs,
RicaPerrone

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