Sem bola

O mineiro de Copacabana

Eu tentei achar uma forma de contar isso por mais de um mês sem parecer que eu queira ser “bom moço”.  Mas, enfim, honestamente, se quiser achar isso, foda-se. Eu preciso contar essa história.

Era dia 3 ou 4 de janeiro, minha tia estava em Copacabana e combinamos de encontrar. La pelas 22h sentamos num quiosque na beira da praia e começamos a tomar uma cerveja e jogar conversa fora.

Um rapaz se aproximou com uma sacola enorme de latinhas e pediu que jogássemos as nossas vazias na areia pra ele catar. Eu me neguei, disse que não jogaria nada pra ele pegar no chão e levei as latas até a sacola dele.  E aí entra a dose de onde não quero parecer isso ou aquilo, mas é fundamental pra história essa parte.

Eu não consigo jogar uma coisa pra um ser humano pegar do chão. Que porra de gente é essa que atira uma lata pro cara pegar sendo que pode dar na mão dele? Ele estava com as mãos cheias e então eu levei até a sacola.  Ele parou e me olhou como se eu tivesse dado dinheiro pra sacola.

Se aproximou, disse que não me daria a mão porque estava sujo, e agradeceu.  Contou que ele estava há 3 dias tentando tirar o ódio do ser humano do coração dele porque alguém roubou a mochila que ele tinha com seus únicos pertences.  Identidade, algum dinheiro, certidão de nascimento, uma roupa. Enfim. Ele ficou sem nada no ano novo.

Então eu e minha tia olhamos a carteira e lhe demos algo em torno de 20 reais. Pouco importa. Era o que tinhamos ali na hora e ele precisava jantar. Era tarde, sabemos quanto custa um lanche na zona sul do Rio.  Ele contou a vida dele, falou por uns 20 minutos, agradeceu chorando e não pelo dinheiro, que aliás ele nem deu a mínima. Mas por estarmos tratando-o como igual.

Ele foi embora. Nós ficamos meio tocados, é aquela coisa foda de estar gastando dinheiro num quiosque pra comer fritas e beber e alguém do seu lado não ter o que jantar. Dá culpa, embora eu não tenha culpa.

Mas a surpresa vem 20 minutos mais tarde.

O rapaz voltou. E nas mãos trazia um quadrinho desses que vende nas feirinhas de rua de Copacabana.  Ele deu nas mãos da minha tia e disse: “Pra senhora não esquecer de mim”.  Custava coisa de 5 reais. Mas a questão é que ele gastou 25% do que ganhou pra agradecer o fato de ter sido bem tratado.

Naquela hora eu e minha tia perdemos qualquer poder de ação. A gente se olhava, ele falava da vida dele, não conseguiamos medir o quanto aquele cara deve ser machucado todos os dias por falta de um “bom dia”, alguém que levante e leve a lata até ele, ou meramente que o trate como um igual e não como alguém “menor”.

Aquele quadrinho minha tia deve pendurar em algum lugar da casa. Sei lá.  Mas o gesto desse cara, que se apelidava de “Mineiro” em Copacabana muito me explica sobre caráter, sobre o mundo que vivemos, quem somos e porque precisamos mais do instagram do que um abraço.

Abs,
RicaPerrone

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