6 anos de Rio
São 14 horas do dia 1 de agosto de 2018. Eu completo hoje 6 anos morando no Rio de Janeiro e sim, sou o autor do famoso texto viralizado com mil autores diferentes com o título “365 dias no Rio“. Você leu. Eu sei que leu.
Estou dentro de um avião, poltrona 21A, ponte aérea SP-Rio, onde vim trabalhar e ver a família. Por incrível que pareça, nessa rota tão comum entre a cidade que nasci e a que moro, eu não tenho dúvidas pra onde vou quando digo que “estou voltando pra casa”.
O avião balança. Aliás, balança pra caralho. Está garoando, estamos voando entre nuvens prestes a “descobrir” o Rio enquanto aproximamos do pouso. E é daqui de cima, entre as duas cidades, que consigo entender essa relação.
Me preparo mentalmente para chegar e não sentir frio, embora pra eles esteja. Sei que vou pegar um uber que vai discutir futebol comigo por 45 minutos até a barra como se fossemos amigos e não uma relação de prestação de serviço. Aliás, sei que ele ficará puto em ter que me levar pra barra.
Vou chegar e meu porteiro vai me dizer, com a formalidade carioca: “Ae Perrone! Chegou coisa pra tu. Pega lá na administração, já é? Tem Mengão hoje hein!”.
Quando eu for pegar a encomenda eu sei que o zelador vai me abraçar e me chamar pelo apelido sem o menor pudor que separa nossas condições sociais, porque isso aqui é Rio de Janeiro e meu chinelo não diz porra nenhuma sobre mim.
Vou subir, vai estar tendo por do sol. Da varanda o verei enquanto respondo as dezenas de mensagens diárias que chegam no celular no fim do dia, todas elas sugerindo algo maneiro de se fazer. Choppinho pra ver o jogo? Jantarzinho com os amigos? Mas como assim você vai fazer algo sozinho?! Cariocas nunca estão sozinhos.
E em meia hora alguém chega, ou eu vou. Tanto faz. Na mesa de 4 amigos se aproximará um amigo de um dos amigos, que em questão de horas será também, agora, meu amigo. E com ele virão outros conhecidos que estavam ali perto, e lá pelas 23h estaremos no bar no décimo chopp discutindo o jogo numa mesa com 20 pessoas onde agora formamos uma turma improvável de atores, professores, empresários, peladeiros, aposentados e até o garçom, que obviamente já é íntimo de todos.
Quando eu postar a foto com eles, mais 10 dirão por mensagem: “poxa, voce está com fulano! É meu amigo”. Porque essa porra é uma vila. Pra trair no Rio tu não tem que ser infiél. Tem que ser ninja. E são…
Aí o jogo acaba, nós vamos pra casa, formamos um grupo novo no whatsap e amanhã cedo tem alguém marcando algo novo, que vai repetir todo esse ritual. E em alguns anos você se torna parte de um processo viral carioca que integra pessoas e forma as mais inacreditáveis parcerias todo santo dia, abençoadas por um garçom qualquer que se recusa a atender se não for chamado pelo nome e não puder dar palpite sobre o pênalti não marcado ontem a noite.
As pessoas que não gostam de você vão ter que gostar. Porque vão conviver muito próximas a você e os amigos em comum vão te obrigar a, pelo menos, tolera-lo. O Rio te educa a ser uma pessoa melhor.
Quando você conta uma história triste as pessoas se entristecem com você. O carioca faz uma piada da sua história e te obriga a rir da sua própria desgraça. Afinal, é só a vida. Pra que levar essa bobagem a sério?
Amanhã em algum momento do meu dia eu sentirei medo porque vou passar por uma realidade que não é a minha e, pasmem, eles não vão me olhar como inimigos.
Amanhã tem faxina. A minha faxineira não vai me chamar de senhor, mas sim de Ricardo. E quando chegar, se eu estiver acordado, vamos discutir por 20 minutos o enredo da Santa Cruz pro carnaval 2019 antes dela começar a arrumar a casa.
Em algum momento ela dirá: “Pura merda, Ricardo! Tu não comprou a porra do limpa vidro ne?”. E eu vou morrer de rir.
E aí vou ter uma reunião que me faz passar pelo Joá. E então eu vou ser obrigado a andar no limite de velocidade feliz porque não quero acelerar ali. Quero ver.
Rodeado de pessoas de férias, trabalharei. E ao final do dia é provável que me junte a elas sem saber exatamente quem está ali a prazer ou a negócios.
O negócio do Rio é te dar prazer.
Pouso autorizado. E é óbvio que um carioca já disse aqui na poltrona ao lado: “ufa hein piloto! Achei que tu ia pousar sem avisar!”, e morreu de rir da piada boba.
Vou descer. É hora de pegar meu uber e voltar pra Barra, que eles nem consideram Rio, embora saibam que há mais de uma década é o melhor da cidade.
Sim, a última frase foi só pra deixar meus amigos putos e ter resenha mais tarde.
Agora sim. Portas em manual.
Outro dia um amigo me falou uma palavra que me fez entender quase tudo: “pertencimento”.
E eu pertenço a esse lugar, a essa gente e a esses hábitos.
Queria que o Rio fosse uma pessoa só pra poder dar um abraço nela e agradecer. Aliás… que sujeito do caralho seria o Rio de Janeiro.
abs,
RicaPerrone