10 anos no Rio
Oi. Eu sou o cara que escreveu aquele texto sobre os 365 dias no Rio e viralizou, virou música, quadro em bar, etc, etc, etc.
Agradeço.
Quando escrevi muita gente me disse “mora 10 anos ai pra tu ver…“. E eu morei. Agora vim contar o que mudou.
Quando escrevi eu era um apaixonado pelo Rio. Era recente, tudo novo, aquele começo de namoro fulminante. Hoje não sou mais. Agora eu o amo, é diferente.
Aprendi que o Rio é o lugar mais irregular do Brasil. Tudo tem um esquema. Todos os setores da sociedade tem alguém mandando não oficialmente. Sempre tem alguém ficando rico com o que não deveria.
O Rio é a cidade que se auto-organiza pela contravenção. Alguém vai tomar seu bairro e te vender segurança. Alguém vai ao seu restaurante te cobrar um por fora pra garantir a lei. Alguém vai te adiantar na fila do gás se você for “gentil”. O passaporte da vacina nunca existiu. Só pra rico no Village Mall.
O crime no Rio é fatiado por setores. Aquela violência que tanto se fala pelo Brasil não é exatamente como imaginam. Ninguém aqui é “mais assaltado” do que em São Paulo. O que assusta aqui é a guerra entre bandidos. Essa é pesada, surreal e na nossa cara.
Mas meio que “foda-se”. Só quem se importa com bandido morto é a Globo e o Freixo. Num geral as pessoas adoram contar histórias delirantes de bandidos que fizeram algo épico numa comunidade qualquer.
Sim, são “herois” de muita gente. É maluco, mas é real. O carioca acha do caralho ser “bandidão”, “malandrão” ou conhecer os bandidos da cidade. É um status.
“Tá ligado o fulaninho da baixada? Meu parceiro mané…”. Ai, nossa, como eu sou perigoso!
Mas tem um porém. O carioca é amigo de bandido sem saber. Como aqui alguns setores do crime são quase oficiais e permitidos, você tem amigo ligado a tudo que é merda e não sabe. Aí você liga a tv e fala “caraaaaca maluco! O fulano preso! Joga bola com a gente…”.
É foda. O Rio não é pra “manja-balão”.
O carioca é o desenho da frase “tá rindo de que?”.
Mas ele ri. De tudo. Todo dia. E se você o lembrar dos problemas ele ri de novo e faz uma piada.
E eu adoro isso.
O único lugar do mundo onde a última opção é pagar. A primeira é conhecer alguém, a segunda é ser convidado, a terceira conseguir entrar. Se nada der certo… “quanto custa?”.
O caso “Barra da Tijuca” é a melhor definição do amor do carioca pelo “Rio”. É um bairro mais afastado onde tem espaço, estacionamento, hoteis, restaurantes, prédios novos com estrutura, baladas, eventos, praia bonita, enfim. É o Rio melhorado.
Mas eles se recusam a aceitar isso. Todo carioca que não nasceu na Barra vai morrer dizendo que a Barra é uma merda. Mas se ele ganhar um dinheirinho, ele corre pra lá.
A Barra e o Recreio são os bairros onde moram artistas, deputados, senadores, youtubers, prostitutas, jogadores de futebol e contraventores.
Você sai numa bela manhã de sol e dá de cara com o Zeca Pagodinho andando na orla. Ai vai almoçar e senta ao lado de um bicheiro com 10 seguranças armados, depois encontra 4 artistas no shopping e no fim do dia dá de cara com o Zico jantando.
No mesmo lugar, o mais “seguro” eleito pela elite carioca pra morar, você acorda lendo que um carro tomou 35 tiros e morreu fulaninho, que era empresário e tinha ligação com não sei o que.
É foda.
Mas vale a pena. Porque só aqui você tem a nossa hipocrisia verde-amarela oficializada. Você se sente um otário por viver num país desses, mas se sente de alguma forma menos otário por saber que é assim e ninguém tá te escondendo isso.
E aqui tem a pior espécie de ser humano que existe: a gostosa que faz marquinha de biquini.
Filha da puta!
Elas sabem que a gente não suporta isso, não resiste, não tem como não ser abduzido por aquela linha branca entre duas partes sensuais mais morenas de sol e jogam na nossa cara usando uma calça ou uma blusa que foram feitas especialmente pra te fazer nota-la.
É de propósito. Filhas da puta!
As cariocas são insuportavelmente gostosas. E quando vim, há 10 anos, não tinha experimentado ainda. Aí separei, casei, separei, namorei, terminei, fiquei solteiro e agora eu sei: filhas da puta!
Vou me casar com uma só pra ouvir “Ricarrrrdo” todo dia. Ou então pra ela perguntar de manha se eu quero “nexxxcau”.
Filhas da puta…
Mas enfim, nessa terra de filhos da puta, eu me incluo. Gosto de samba, gosto de gente, de chinelo e de marcar encontro pra não ir.
Me sinto num direito delicioso de ter um compromisso e não aparecer sem dar satisfação e não estar sendo um cretino por isso.
O Rio é o botão do foda-se.
É assim que é, então que assim seja.
Se o Brasil mudar, não será por aqui. Mas se o Brasil mudar, é pra cá que você virá passar férias. Então…
Somos o bordel do Brasil. A mistura de prazer, contravenção, risos, bebida, amigos e belas mulheres em meio a um bairro nobre rodeado por delegacias e políticos que, em tese, deveriam reprimir o bordel mas tem carteirinha de cliente vip dele.
Olha eu falando “nós” sendo paulista.
Após dez anos de relacionamento sério renovo meus votos. Não sei se pra sempre, mas por enquanto. E por enquanto, pro carioca, é suficiente.
Se um dia o Rio de Janeiro for seguro, tiver um pingo de bom senso quanto ao absurdo e parar de conviver passivamente com o crime, nunca mais alguém irá discutir o melhor destino do planeta.
Precisamos de “ordem no puteiro”. E veja bem, eu nem cogitei deixar de ser um “puteiro”. Só pedi ordem nele.
Agora eu “fui” porque tenho um compromisso inadiável com alguém que não combinei num pagode qualquer que eu não ia.
RicaPerrone