Eu tinha pouca idade, nem me lembro exatamente quantos anos. Eu nasci respirando futebol porque assim era minha casa, assim foi meu quarto na maternidade e assim era minha família. Nasci no clube do SPFC, cresci lá, conheci Morumbi, vestiário, cativa, arquibancada e tudo que é possível antes de completar 2 anos. Dali pra frente, só fui conhecendo mais e mais, até ter noção do que era o meu time, do que era perder, do que era ganhar e do quanto era bom torcer.
Na foto ao lado, eu e meu pai no clube.
Cresci, e só piorei. Com 8, já era fanático ao ponto de chorar a noite toda por uma derrota. Com 14, eu fugia de casa pra ir ao jogo sozinho e ficava sem lanchar na escola a semana toda pra comprar ingresso sem meu pai saber.
Mas, no meio deste fanatismo todo de moleque, uma coisa mudou completamente o rumo natural das coisas. Fui criado para ser um sãopaulino fanático, e era. Até que um dia, por causa de um sujeito, as coisas mudaram.
Eu procurava o jogo do SPFC na tv e passava o Flamengo. Puto, sentei e assisti. Não sei o ano, não sei o jogo, era pequeno. Eu ouvia falar muito no Zico, mas nem sabia muito quem era. Só que era do “Brasil”, como eu dizia quando garoto.
Vi um show de bola do sujeito e da torcida do Flamengo. E quando acabou o jogo, fui até meu pai no quintal de casa e, com as mãos acariciando meu pastor alemão, perguntei: “Pai, porque o Zico não joga no São Paulo?”
E ele me explicou que ele era carioca, que o Flamengo era um time tão grande quanto o São Paulo e que ele ficaria lá. Que eu podia torcer por ele na seleção, mas que era um ídolo bom de se ter. Me recomendou, me deu “liberdade” para ter um ídolo não tricolor, pois era o Zico, que de alguma forma era ídolo dele também.
Então, perguntei porque a torcida do São Paulo não podia fazer igual a do Flamengo, que eu acabara de ver na TV. E ele me explicou, calmamente, que a torcida do Flamengo era a maior do mundo, que era linda, e que na lua de mel dele, teve a honra de ir ao Maracanã ver Flamengo x Vasco, com Roberto x Zico. E que foi um dos dias mais especiais que ele já tinha vivido.
Ali, naquele momento, eu começava a descobrir que futebol era muito mais que meu time. E meu pai era, e é até hoje, um sujeito muito ponderado e justo. Ele torce pro SPFC fanaticamente como toda a família, mas ele tem um respeito enorme por qualquer outro clube grande. E dele vieram as explicações sobre a grandeza deles, a história, etc.
Me ensinou que o São Paulo era o nosso time, mas que os outros times também eram grandes e vencedores. Que todo torcedor tem importancia igual, e que não podia achar que iriamos ganhar sempre. Desde papo surgiu uma longa história de mais de 2 horas onde ele me contou do Fla-Flu.
Dali, a promessa de um dia me levar ver o Maracanã.
E daquele dia em diante, eu lia o jornal para ver todos os times, não apenas mais o meu. Claro, torcendo, focando no SPFC, mas já interessado.
E um dia, meu pai me levou ao Maracanã. Era janeiro, vazio, sem jogo. Entramos, ele subornou o guardinha, e eu fui no gramado. Ali, parado, ainda garoto, ele me contou muito sobre o Vasco, o Botafogo e o Flamengo. Os ídolos, as vitórias, os títulos, tudo.
Fez o mesmo no Beira-Rio e no Olímpico depois, inclusive.
Mas, nessa altura, eu já sonhava em ver coisas além do meu mundinho de Morumbi. Eu queria ver o Gre-nal, queria ver o Fla-Flu, e já não tinha pudor algum em ter meu grande ídolo jogando em outro clube.
Zico, na Copa, quando perdeu o penalti, me fez chorar muito. Não porque eu entendia o que estava acontecendo, mas porque eu vi muita gente xingando meu idolo.
Zico, meu pai, a torcida do Flamengo. Três fatores que, somados, não nessa ordem, me fizeram ver o futebol diferente da maioria desde pequeno.
Devo, indiretamente, ao Zico o respeito que tenho por todos os grandes clubes do país. A falta de pudor em achar uma torcida rival melhor que a minha, assim como a minha admiração pelo Rio de Janeiro, pois ela começa com o Maracanã, termina com a Mocidade.
Devo ao Zico o fato de ter condições de ser jornalista. Eu não fui criado pra isso, pelo contrário. Tudo me levava a ser um “lider de torcida”, de tão fanático que eu era. Mas, um dia, ao ver o Zico, fui questionar porque havia coisas que não podiam estar no meu time.
E meu pai, sábio, me ensinou que eu podia admirar algo que fosse rival, mesmo sem perder a paixão pelo meu.
Assim cresci. Assim vejo futebol até hoje, e assim me tornei um sujeito capaz de ver futebol e entender o que sente um torcedor de outro clube que não o meu.
Eu sei o que sente um rubro-negro hoje. Sei o que sentiu um gremista na Libertadores de 95, um tricolor carioca em 2008, etc. Porque, no fundo, são todos iguais.
Muda a forma de agir, a cultura do que exaltar, mas a paixão não.
E até hoje, se tem algo na vida que só me traz problemas, que só me gera reclamação, mas que amo ter comigo é exatamente esta visão sobre o futebol acima da paixão pelo meu clube.
Eu o amo, igual quando tinha 10 anos. Mas é diferente.
Eu acordo tenso por um gre-nal, quando normalmente eu ignoraria completamente em virtude de não ter relação com meu time. Eu sonho em ver Fla-Flu, fui ao hexa do Flamengo e não teria o menor recalque em ver o Corinthians campeão da Libertadores.
Tô falando com a porta, eu sei.
Mas, pra mim, graças ao Zico, o futebol virou meu time de coração.
abs,
RicaPerrone