A lógica brazuca dos ingressos
Imagine você que tenho um restaurante. Ele é antigo, já bem tradicional na cidade, mas anda meio caidão. A comida tá meia boca, faltam opções, o refrigerante nunca tá gelado. Os clientes estão sumindo aos poucos, migrando pra outros restaurantes.
Mas reformei a casa. Então, como ela anda vazia e preciso que ela volte a lucrar, resolvi colocar os pratos com o dobro do preço. Assim, vendo mais caro, pego mais dinheiro e só depois faço de fato uma comida melhor.
Mas obviamente com os preços mais caros e a comida ainda ruim, posso perder mais e mais clientes, indo a falência.
Ainda assim, contrariando a lógica de qualquer mercado, eu vou tentar apelar pra “fidelidade” dos meus clientes e dizer a eles que, pagando o dobro hoje para comer mal, amanhã poderão voltar e comer bem pelo mesmo valor.
Não me parece justo. Nem sequer razoável. Mas acredite: tem quem queira ir por este caminho.
O nosso futebol é um restaurante antigo indo a falência. O reformaram, investiram nas cadeiras, mesas, até na propaganda. Mas não adianta, o prato continua “comum” e pra piorar os preços são de restaurantes de primeira linha.
Não há cliente no mundo que pague um Porcão pra comer no Bob’s. E se ele fizer isso, não é você um grande negociador, mas sim ele um grande idiota.
O valor praticado nos ingressos do futebol hoje em dia são tão estúpidos e injustos que o valor de uma arquibancada equivale a um mês de PPV, onde você assiste a TODOS os jogos daquele período (cerca de 50) ao vivo na sua sala, de chinelo, tomando cerveja a 3 reais e não a 12.
O apelo do Sócio Torcedor é quase tosco. Mas ainda assim, é aceitável que se venda uma promessa e não um produto. Você pede ajuda para amanhã devolver em resultados. É um investimento.
Isso não tem sentido quando falamos da compra simples de um evento.
Não custa mais do que um cinema de quarta-feira (20 reais) uma partida de futebol as 22h entre um time grande sem nenhuma estrela e um time de série C.
Não pode custar 60 reais, o valor de um teatro confortável com grandes atores, um jogo entre o misto desinteressado do São Paulo e o time do Mogi Mirim.
Não há argumento pra isso. Nem mesmo a “logística do Sócio Torcedor”, pois trata-se da venda de um produto e não de um ideal.
O ideal você vende pelo Sócio Torcedor. O espetáculo você vende pelo espetáculo. E não é espetacular o que estamos vendendo hoje. É bom, o terceiro melhor nacional do mundo, mas não pode custar o que eles mesmos entendem ser o valor cheio de 50 jogos na televisão.
“Ah mas todo mundo paga meia”. Foda-se. Está errado. A meia, que nem deveria existir, já que estudante não é doente, é uma condição e não um valor.
Valor é o total cobrado por uma entrada convencional a um evento. E não, não tem como cobrar mais do que 20 reais (a mais barata) num jogo comum de Brasileirão, quanto mais de um falido estadual.
O torcedor é apaixonado, cego, mas também sabe fazer contas. Entre o boteco da esquina passando o jogo pra 10 amigos com cerveja a 5 reais e o estádio, com mais um ou outro, a 60 paus, com cerveja a 12 (sem álcool), a escolha é óbvia.
Só que além da idéia de “ir ao estádio” deveria ter um conceito de que é lá dentro que se descobre futebol e paixão. Pela tv se tem alguma idéia, mas não tem 30% do que você sente dentro do campo.
É ali que se fideliza gerações, que se gera paixão e que se planta pra colher sempre.
Não faça biquinho porque você “ama seu time mesmo não indo no jogo”, pois você sabe tanto quanto qualquer um que adoraria poder ir. Pois fatalmente um atleticano que estava no Independência no dia do Tijuana amará mais o Galo do que um que não frequenta.
Fatalmente quem viu o gol do Pet do Maracanã tem muito mais idéia do que é Flamengo do que aquele que vê pela Tv.
Paixão não se mede. Mas o estádio é parte fundamental do futebol. Estar nele, poder tentar comprar seu ingresso, se sentir parte do resultado e viver aquele drama por 90 minutos é a essência do jogo.
E se te entregar isso por 90 minutos e ter você por uma vida como cliente fiel é menos negócio do que ganhar 60 paus pra te fazer ver a bosta do Fluminense x Madureira, eu lamento. Merecemos mesmo a CBF.
Pensamos como ela.
abs,
RicaPerrone