Carta ao Flamengo
Flamengo, meu caro Flamengo;
De tanto te defender levei fama de te amar. Durante décadas acreditei que sua glória era lutar, que sua grandeza era ser o povo e sua graça ser imprevisível.
“Um dia eles se organizam e aí, fudeu!”.
Quem não disse ou ouviu essa frase? E aconteceu. Foram anos pra que se tornasse real, mas aconteceu.
O homem que liderou o clube no processo que o levou até o atual status sequer foi convidado para um “obrigado” na hora das conquistas. Tudo bem, politicagem é foda. A gente entende e o torcedor corrigiu o ato egoísta no próprio estádio em Lima.
Os seus torcedores, em maioria pobres, com sonhos, condições e expectativas semelhantes aos meninos do ninho já não se sentem confortáveis com tanta estima por dinheiro apenas.
Das arquibancadas, sumiram. Hoje só se você tiver financeiramente em “outro patamar”. Na hora de clamar pelos 40 milhões e vender a marca, fundamentais. Quando pra inclui-los, pague quem puder e que se dane o povo, o DNA, a “nossa gente”.
Flamengo, Flamengo… rico que esquece de onde veio acaba voltando.
Na mesa da CBF, diante de quem já fez o que com enorme atraso hoje você merecidamente conquista, esnobação e soberba. “Somos o único que…”. E voto vencido.
Na FERJ, chegou falando em dinheiro com o mundo em pânico clamando por saúde. A noite, teste positivo do seu treinador.
Nem assim, com a vida dando sinais?
É fácil “saber tudo” quando se herda o trabalho quase pronto. É mole botar a cereja e vender o bolo, mesmo que você tenha ajudado a escrever a receita.
Querem vender pro torcedor que o Flamengo está brigando contra tudo e todos como vítima. Na real o que está havendo nos bastidores do futebol é um clube tentando jogar sozinho, vender treino, ignorar todos os rivais, viver de títulos fáceis e destruir o produto que o sustenta em pé.
Não sou eu. São os clubes, as competições, a TV, os demais dirigentes e até parte dos rubro-negros não hipnotizados que estão assustados com tamanha soberba.
As faculdades de administração que ostentam os dirigentes do clube não ensinam a gerir paixão e sim negócios. Talvez aí esteja a falha brutal.
Um Flamengo que beira a perfeição no futebol. Que patina na própria arrogância fora de campo.
Mengão, olha só.
Tua grandeza está em quem você carrega, não no caneco que você levanta. Tua empatia com essa gente está em identificação, não em saldo bancário.
Tua glória não é lutar. É representar a luta. Representar sua gente que auto proclama-se favelada.
Favelado quer sair da favela mas não quer esnobar quem ficou.
Favelado tem orgulho de onde veio.
Favelado não deixa os outros na mão.
Favelado quando fica rico não humilha pobre nem esquece de quem ajudou na dificuldade.
Favelado se diz “comunidade”. E comunidade é um todo, não a idéia do bem estar de um só em troca da destruição alheia.
Favelado é Flamengo. E o Flamengo, ainda é favela?
Dá pra ser vencedor sem ser odiado. Dá pra ser referência sem pisar nos outros. Dá pra ser minimamente inteligente em vender suas glórias como glórias e não obrigação.
Não é inveja do mundo pelo resultado. Todos os outros já os tiveram, inclusive mais vezes e antes de ti. Mas saber perder é fácil. Duro é saber ganhar.
Contra tudo e todos, não há outra alternativa se não perder. Sem todos, você não existe. Logo, contra todos, você não tem como vencer.
Há um bolo pra ser repartido e esse bolo é pequeno. Você pode tentar aumentar o bolo coletivamente ou tentar ter a maior fatia de um bolo cada vez menor.
Se és tão grande, seja a locomotiva do futebol brasileiro, não o trem descarrilhado.
RicaPerrone