“Doutor, eu tenho câncer?”
Há uns meses surgiu uma bolinha na minha perna. Parece uma bola de gude saindo da coxa, nada muito grande, sequer incomoda. Olhei, deixei, não dei a mínima. Com pessoas próximas brinquei “olha, nasceu um tumor em mim”.
Passou.
Semana passada alguém me disse “você devia ir ver isso”. Então eu fui no google, que é o que todo idiota faz quando procura um diagnóstico sem sentido. Lá dizia que podia ser um “sarcoma”. E também dizia que um jornalista de 30 anos havia morrido em virtude de não ter ido ver uma bolinha na perna há pouco tempo.
Liguei pro meu médico e pedi um exame. Ele me deu, marquei, e em 3 dias fui de ter uma bolinha que nem lembrava a um exame que poderia me dizer que eu tinha um câncer.
Não era provável. Mas era possível. E sendo possível se tornou difícil de lidar.
Dormi mal. Pensei muito. Cheguei a pensar e “avisar” quem eu amo que se fosse câncer eu me mataria mas não passaria pelo inferno de um tratamento.
Besteira. Mas era o que eu conseguia pensar na hora.
E lá estava eu, numa sala normal para um exame normal sem que ninguém a minha volta sequer sugerisse algo grave. E deitado ali, após o médico fazer o exame, eu tive que fazer a pergunta mais difícil que já fiz na vida.
“Doutor, eu tenho câncer?”.
Cara, era improvável. Não tinha motivos para eu esperar aquilo. Mas a pergunta era o final do exame. Fiz pra saber, e portanto tinha que ouvir.
Levou 3 segundos entre a pergunta e a resposta. Juro que consegui viver por 2 horas e meia naqueles 3 segundos. Pensei em tudo que podia, que não podia, como seria, meus pais, como contaria, onde eu trataria. Que inferno!
Ele nem me olhou. Disse guardando o equipamento: “Não, é um lipoma. Fica tranquilo”.
Não sei explicar o que aconteceu em mim, mas parece que eu me tornei uma pessoa melhor naquele segundo. Como se eu tivesse entendido o que de fato é um problema, o que realmente faz a gente se preocupar e como as coisas que nos tiram o sono no dia-a-dia são idiotas.
E então eu passei a imaginar o que é pra milhares de pessoas ter que viver esses exames com a possibilidade grande do câncer e o “sim” no final. Talvez a gente entenda que é um problema mas sem vive-lo não consegue imaginar os momentos que o constroem.
Sou ateu. Naquele dia eu quis acreditar em Deus. Não porque eu acredito, mas porque eu precisava de alguma coisa caso ouvisse “sim”. Nessas horas eu passo a não apenas entender Deus como considera-lo fundamental mesmo que duvide de sua existência.
A gente não aguenta tudo sozinho. E na incerteza de estarmos acompanhados, levamos conosco uma certeza de algo que não podemos ver e, portanto, nunca irá nos abandonar.
Deus é fundamental. Mesmo que eu não acredite. E não, eu não acredito.
RicaPerrone