Dormindo com o “inimigo”
Sou brasileiro, nascido e criado mineiro. Moro há quase seis anos na Argentina, em plena capital. Aqui vivi duas copas do mundo, copas das confederações e vivo hoje minha terceira Copa América. Fanático por futebol, rubro-negro da nação, acompanho a imprensa esportiva de ambos os países e, há alguns dias, conversei com o Rica sobre o que eu considero uma inversão de valores, desde o ponto de vista de um “brazuca” morando aqui. Ele então me ofereceu o espaço no blog, para expor o que penso.
Não escrevo para opinar sobre os torcedores. O torcedor faz o que quiser e torce para quem bem entender. Aqui conheço gente que torce pelo Brasil, que é fã do Neymar, do Ronaldo, do Gaúcho e tantos outros. Há de tudo um pouco, como no Brasil: os famosos corneteiros, os “do contra”, os que alegam gostar do bom futebol, os fanáticos torcedores argentinos que não reconhecem falhas na sua equipe ou méritos nas outras, etc.
Mas há uma diferença fundamental, na minha opinião: a imprensa. A mídia argentina, seja ela qual for, nunca deixa (e com razão) de apoiar a sua seleção (e não a de seu maior rival, se limitando apenas ao reconhecimento dos nossos inegáveis méritos). Críticas? Claro, mas antes vem o apoio. Justamente ao contrário do Brasil, onde se critica primeiro e se apoia depois. Para não me referir exclusivamente à Copa América, cito o mundial de 2010. A imprensa daqui sabia e apontava as falhas da equipe argentina , que já era considerada campeã pelos veículos de comunicação do Brasil, mas nunca deixou de apoiá-la, jamais torceu contra. Já a nossa imprensa brigou com o Dunga (por que mesmo?) e, para ela, a seleção virou a “seleção da CBF”, “seleção do Dunga”, esquecendo-se de que, para o resto do mundo, a seleção era do Brasil (nossa seleção!).
Fomos eliminados um dia antes da Argentina. Aguentei gozações (bem retribuídas no dia seguinte, claro), mas o que me deixou triste foi ver parte da imprensa brasileira quase feliz pelo resultado e ainda apostando na Argentina como campeã. Aqui eles também perderam, e só vi lamento na mídia. A mesma que, meses antes, havia aguentado o famoso “que la sigan chupando”, de Maradona (vindo dele foi “folclórico”, mas ah..se fosse o Dunga). Eles brigaram com o técnico, mas continuaram apoiando, não só a equipe, mas também a permanência dele no comando, após a eliminação.
O presidente da AFA (CBF argentina) é Julio Grondona, que também é vice-presidente da FIFA. Está envolvido em inúmeras acusações de corrupção, má administração, etc., bem como um certo dirigente do futebol brasileiro. Aqui eles também acusam, dever de todo bom jornalista, mas ninguém torce contra, por ser a “seleção da AFA”. Sabem por que? Porque perante o mundo, a seleção é da Argentina, e não “da AFA”. Parece que nós nos esquecemos disso.
Assim como reprovo frases como “ganhar é bom, mas ganhar da Argentina é sempre melhor”, também reprovo a imprensa brasileira, que, de alguma forma, influencia negativamente muitos brasileiros, que hoje pensam que o fato de o Brasil vencer é um insulto ao bom futebol (Hã?). Ganhamos cinco vezes a Copa do Mundo e, para grande parte da mídia brasileira, o Brasil parece nunca jogar bem, nunca convencer, nunca jogar com raça. Ela nunca está contente. Mas a vitória da Argentina sobre a Costa Rica (!!!!) é considerada um feito heroico, porque torcer contra os argentinos virou sinônimo de “não gostar de futebol”, não importa o futebol que eles joguem.
A Argentina é um país muito receptivo aos brasileiros e com um povo muito bacana, o qual eu aprendi a admirar. Acho que a imprensa brasileira muitas vezes é injusta com os argentinos, mas, justamente no futebol, resolve apoiar mais a seleção deles, do que a “seleção da CBF”.
Moro aqui, gosto do país e das pessoas, que também adoram o Brasil, na sua imensa maioria. As gozações que o “Olé” faz com o Brasil têm o mesmo nível de seriedade das que o Rica faz com a Argentina. Uma pena que muita gente não tenha os dois dedos de testa para entender e diferenciar uma brincadeira de uma coisa séria. E coisa séria é a imprensa brasileira defender e apoiar a nossa seleção sempre.
Abraços de um “brasileirinho” (virou coisa feia ser um, também?), rubro-negro exilado.
Bruno R. Leite.