Lendas da paixão
Ontem, mais uma vez, vi o Flamengo ser campeão de dentro da torcida rubro-negra. Aliás, passei o dia com eles, como gosto de fazer em toda final com qualquer time grande.
Do chopp pré-jogo ao grito de campeão, me cerquei de rubro-negros e vivi todo ritual deles para conseguir entrar o máximo possível no clima.
Ganhei santinho de São Judas entrando na rua do estádio. Peguei, guardei.
Um colega não pegou. O que distribuía os santinhos correu até a gente e entregou. Não pode faltar ninguém.
Espera, cambistas, muita organização pra entrar e sair. Tudo funcionando. Aquele Maracanã que seria depredado pelos brasileiros, que causaria invasões de campo e mil atos de vandalismo segue intacto.
Não somos marginais.
Rubro-negros tem uma reunião fora do estádio diferente das outras torcidas. Eles passam o tempo todo controlando a confiança, não tentando reverter o medo.
A cada minuto surge um grito no meio do nada: “Mengo!”.
Como se fosse preciso. Talvez pra lembrar, sabe-se lá porque, já que ninguém esquece.
Eles se defendem do castigo divino. Toda vez que a confiança fica muito clara, alguém os lembra que “não ganhamos nada ainda”. Até que alguém cite o América do México, e neste momento todos olham feio.
Alertem-os de tudo. Só não fale no América do México.
Se encontram, se abraçam, choram antes do jogo. Fazem juras de amor ao clube, aos ídolos do passado e relembram finais e mais finais. Como todos.
Mas do portão pra dentro, não.
Ali eles são diferentes.
Dizem que é “lenda” da “Flapress”. Que um dia a cupula da Globo se reuniu e disse: “Vamos criar o mito Flamengo”, e então convenceram 35 milhões de pessoas a torcer de forma diferente.
Aí a Globo fez o Zico em computador, inventou aquele time todo, fez Leandro e Junior passarem em teste na Malhação até chegarem ao Flamengo. E lá, a Globo comprou Libertadores, Brasileiro, Mundial e tudo mais que era possível.
É o que dizem. Porque é o que resta dizer.
Ou se especula algo nada concreto ou se aceita a realidade. É mais fácil especular.
Ali, especialmente no Maracanã, eles são um só.
As inimigas organizadas que brigam entre elas cantam a mesma coisa. O pobre, o rico, o menino de 10 anos, o senhor de 70. Não tem “setor”, nem “perfil”.
São todos rubro-negros, do norte superior a cativa. Cantam igual, se cobram, se aplaudem, se orgulham deles mesmos.
A “nação rubro-negra” se diverte desbancando teorias. Quando o show termina, eles se perguntam “que torcida é essa?”.
Não são pessoas melhores ou piores do que eu e você. Mas dentro do Maracanã, eles deixam de ser pessoas. E este é o ponto.
Em algum momento, tenha partido de uma mentira bem contada ou de uma marca conquistada, eles acreditaram nisso.
E desde então conseguem nivelar qualquer tipo de gente num só patamar. O de “rubro-negro”.
O de décimo segundo jogador. O da torcida que aplaude, é aplaudida e ganha jogo.
Ganha sim. Não discuta com os fatos. Aceite-os e tente, talvez, imitar. Mas não brigue com a história.
O Flamengo foi campeão da Copa do Brasil porque tem a torcida que tem. Não fosse tão diferente, teria parado no Cruzeiro. Talvez perdido pro melhor time do Botafogo, ou mesmo pro aplicado e retranqueiro time do Atlético PR.
Não deixaram. Quando abraçam, quando “inflama”, quando deixa chegar… fodeu.
E fodeu.
abs,
RicaPerrone