Sem bola

Meu primeiro furacão

Domingo, paz, almocinho, aquele climinha de Orlando onde parece que o pior que pode acontecer é um soluço. E de repente começam a falar em furacão.

Como assim? Eu acabei de chegar! Então toma, gordo! Paz não é pra você. Desiste.

E aí começam as tvs locais 24h por dia, literalmente, a mostrar onde ele está, qual o tamanho, as previsões de impacto, tragédia, prefeito na tv, governador na tv, jornalista chorando no ar.

Fudeu.

Vou embora né? Aí um amigo me diz algo que eu nunca ouviria no Brasil. “A gente tem que ficar porque aqui não mandou evacuar. Se a gente for tomamos o lugar na estrada e nos hoteis de quem realmente precisa evacuar”.

Porra, tapinha na cara. Eu como brasileiro que sou já tava pensando em mim e que se foda o resto. Vou ter que me reeducar enquanto estiver aqui. Nossa cultura é de cada um por si, a deles é de defender o país acima de qualquer coisa. Talvez isso responda muitas questões sobre a malvadeza do capitalismo americano…

Vem chegando o dia, as pessoas se organizam, o governo dá todas as orientações, entrega todo cuidado e toda estrutura pro caos. Centenas de carros de emergencia prontos, toque de recolher, só eles transitam. Muito foda.

A discrepância entre o que se dizia aqui e o que a imprensa brasileira dizia era constrangedora. Uma informando pra evitar problemas a outra procurando clique omitindo boas notícias por audiência. Espero não ter que dizer qual é qual.

A categoria já tinha caido pra 3, no Brasil estavam mostrando que era 5 e colocando no ar depoimentos de prefeitos falando que poderia ser o pior da história. Óbvio que meu telefone não parava com gente querendo saber se eu ia morrer.

Esse dia virá mas não agora. Então calma. Sabíamos aqui exatamente os riscos e a dimensão do que chegaria. Apenas nos preparamos conforme as orientações e esperamos.

Mas é meu primeiro, né? Nunca vi isso. To acostumado com tiros, milícia, traficante, assalto, sequestro, bandidos no poder, mas não necessariamente com um furacão. O desconhecido dá medo.

E então chegou o dia. Coloca tudo pra dentro, se tranca em casa, prepara pra ficar sem luz, compra água, abastece, compra comida, fala com a familia, senta na sala, liga a tv e começa a rezar.

Ateu reza?

Turbulencia, penaltis, apuração de carnaval e agora furacão. São os momentos que ateu faz até macumba. Foda-se.

E lá pelas 8 da noite começa a ventar e chover forte. Muito forte. Então eu deitei na cama pra acompanhar pela tv o que estava por vir. A previsão era chegar aqui as 2 da manhã.

E aí eu peguei no sono e acordei agora. Não vi nada. Ouvi nada. Só dormi, acordei, tá sol.

Onde foi mais afetado já tem o estado resolvendo, onde não foi voltando a vida normal. E os vizinhos acordando confirmando se tá tudo bem, conferindo os carros, vendo se não tem jacaré na porta de casa, essas coisas básicas.

Pra não mentir, quando começou eu fui na porta e fiquei ali vendo por alguns minutos. Foi uma sensação única ver meu cabelo mexer pela primeira vez na vida com o vento. Meia noite eu tava dormindo já.

De modo que não tenho muito o que contar a não ser a “tranquilidade” que o entorno te passa e a civilidade dos caras aqui, que deveria ser normal mas pra nós assusta de tão imbecis que somos com nossos problemas.

Passou. A luz não caiu, vou ver o jogo do Brasil, a noite tem live e tá tudo certo.

Dito isso, a tv vai mostrar os cenários mais caóticos, o que não significa que o estado todo esteja assim. Tenha o bom senso de imaginar que a Flórida é enorme e que algumas cidades foram mais afetadas e outras nao. Portanto, nao, não tem 1 milhão de pessoas na água segurando em galhos afogando enquanto o Mickey pede ajuda no topo do castelo.

Tá tudo bem.

Tirando a sensação se que se fosse no Brasil estaríamos fodidos, porque ao invés de resolver ia ter prefeito acusando o Bolsonaro, outros culpando o Lula, a Globo falando que o furacão era racista e a internet discutindo a importância da mulher no vendaval.

Sinto-me num país estranho, numa situação incomum cercado de lógica do primeiro ao último dia. E não estou acostumado. Dito isso, bom dia. Vamos trabalhar porque em dólar é mais caro.

RicaPerrone

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