Tenho comigo há muitos e muitos anos que o futebol no Brasil é um carnaval que perdeu o rumo. E digo isso porque a essência da coisa é a mesma, mas a evolução, não.
Enquanto uma cultura popular se manteve em clima de entretenimento e paz, a outra virou uma guerra boba e quase perigosa, passando de lazer a dever, lamentavelmente.
O bom portelense não tem “obrigações”, como tem o bom “botafoguense”. O bom mangueirense pode aplaudir um desfile da Mocidade, coisa que o bom gremista não pode fazer.
O bom sambista vai ao desfile torcer pela sua escola, mas acima de tudo para se entreter, para ver um espetáculo. Se ganhar, ele chora tanto quanto no futebol, se perder, sente da mesma forma. Mas, perdendo ou ganhando, não cria ódio.
É claro que isso só serve pra quem é apaixonado por carnaval, o que não é maioria. Os demais não entenderão muito bem, pois acharão que o desfile é um evento, ao contrário do clube, que joga todo dia. E não é verdade, pois a escola vive todo dia pros membros de sua comunidade.
O desfile é o topo, a final da Libertadores deles. E lá, se sofre, se trabalha, torce, chora, passa nervoso. Igualzinho qualquer decisão do futebol.
Mas ali, o termo “co-irmã” não é brincadeira. É sério. Há respeito.
Ali, a essência de entretenimento e lazer não perdeu o foco pela paixão de torcedor. Ali se torce, mas não se odeia.
Nenhum mangueirense quer bater num portelense. Ninguém de Padre Miguel faria uma emboscada para a torcida da Beija-Flor, e também não iriam embora do desfile só porque sua escola já desfilou.
É o que disse semana passada: Paixão pelo esporte, não pelo time. Brasileiro só consegue fazer isso no carnaval.
O futebol precisa da rivalidade, é óbvio. Precisa ser mais forte que o carnaval na relação torcedor/clube, também. Mas não precisa extrapolar a margem aceitavel de agressividade e ódio.
Com a internet ficou bem nítido que hoje em dia o torcedor é quase um militar. Segue ordens do que “deve ser um bom fanatico”, xinga todo mundo, odeia tudo que não é dele e domingo a tarde não é mais lazer. É “obrigação”.
“Tenho que ir ao jogo”, “temos que ganhar, se não o coro come”, etc.
Não há mais prazer, não há mais diversão. Se vai ao estádio cobrar e torcer, não mais ver um bom jogo, ver os amigos e se divertir. Se perder, você não quer mais ir pra casa dormir. Quer quebrar tudo, pois é “absurdo” outro ganhar.
Essa mentalidade estraga o futebol.
Em sua raiz, o futebol é a mesma coisa que o carnaval. Comunidades disputando um prêmio e dando entretenimento ao povo, que torce, mas também sabe admirar.
Um se manteve, o outro virou guerra.
É hora da Sapucaí ser exemplo ao futebol.
abs,
RicaPerrone