O futebol, o mundo e a má fé
Há homofobia no futebol. Há racismo no futebol. Ha violência no futebol. Há corrupção no futebol. Há tudo que há de errado no mundo no futebol.
O futebol não promove a guerra entre países. Mas a guerra continua pelo mundo.
O futebol junta países comovidos por uma tragédia. Mas esses países não lutam juntos contra a fome, por exemplo.
O futebol une pobres e ricos num abraço improvável há um século. Fora do estádio eles nem se olham.
O futebol transforma pessoas em “massa”, e portanto dá a todos a mesma condição quando num estádio. Fora dele ninguém se tornou menos preconceituoso por isso.
Qualquer lógica levará você a saber que o futebol é reflexo do mundo que vivemos, não o contrário.
Você não vai acabar com a violência no futebol enquanto o mundo for violento. E qualquer pessoa que achar possível, viável ou travar uma luta em cima disso está se promovendo usando a dor alheia.
Haverá machismo, homofobia, racismo e tudo que há de ruim no mundo dentro de um estádio. Afinal, o estádio está dentro do mundo, não o contrário.
O que move essa discussão é o tom e o oportunismo.
Porque se é aceitável por exemplo que você ofenda um nordestino, a mãe de fulano, um japonês, um gay, então você não pode punir um clube por um torcedor racista. Ou então você estará cometendo discriminação, que aliás, é pior que preconceito. Você está escolhendo quem pode ou não ser ofendido. Veja você que absurdo.
Se fulano vai no estádio e chama a bandeirinha de puta, o adversário de todos os palavrões que ele conhece, o gringo de “argentino de merda”, o nordestino de “paraiba filha da puta”, e quando ele chama alguém de “viado” ele está fodido, ou estamos selecionando quem “merece” ser defendido ou sendo, mais uma vez, hipocritas.
O “bambi”, pra MIM, é uma brincadeira com o status de times de elite. O rico sempre foi rotulado de “fresco”, e a “frescura” sempre foi viadagem. Por isso a brincadeira cai sobre os times mais elitizados do país: São Paulo e Fluminense.
Mas Rica, tem homofobia no futebol?
Claro, porra! Em que lugar não há? E sabemos que toda ignorância e agressividade humana é acentuada quando em grupo e/ou anonimato, que dá quase no mesmo. Portanto em qualquer jogo de futebol o risco de ser agressivo nas palavras é muito maior.
Não só pelo grupo. Mas também pelo clima, pela competição, pela paixão, pela loucura que é estar ali. Óbvio que quem frequenta sabe que não necessariamente há má fé no que é dito. Normalmente é só tentativa de desestabilizar o adversário. Já vi gays chamarem o adversário de “viado” o jogo todo.
Se estivesse necessariamente ligado a crença de que do outro lado há um homossexual, não seria o Renato Gaucho o maior alvo do coro “viado” de todos os tempos, convenhamos.
Então, sobra o argumento de que “viado” é uma forma de ofender. E não discordo que pra muita gente tenha essa intenção. Mas discordo que pra todos seja com essa intenção.
Discordo principalmente de escolhermos quem blindar. É inaceitável que você brigue por respeito a pessoas e escolha qual tipo de pessoa pode ou não ser ofendida. Então, meu caro, ou você transforma o estádio numa sala de cinema ou espera o mundo mudar de fora pra dentro do futebol.
O que não dá é pra você entrar numa arena lotada de palavrão, competição, paixão, loucura e descontrole e dizer: “Você pode xingar o gordo, a puta, a mulher, o japones e o nordestino. O viado, não”. Com um detalhe irônico: o japones é japones. O nordestino é nordestino. O gordo é gordo. O viado, em 99% dos casos, não é gay.
Quer lutar? Faz direito. Briga por todos e não só pela parte que te dá mídia. Luta contra toda e qualquer coisa que ofenda uma pessoa. Ou então tenha a sensibilidade de entender que o problema está lá fora, não dentro do estádio. É mero reflexo. Você está batendo na ponta do iceberg fingindo que está tentando mudar o mundo. É mentira. E você sabe que é mentira.
Eu tenho minhas teorias sobre o porque do futebol ser a paixão mundial que é. E uma delas é pelo “direito” que o futebol te dá de ser o pior e o melhor de você.
Você pode inibir a demonstração do seu pior lado ou então de fato fazer com que ele não exista mais. A “censura” ao problema não educa. Apenas aumenta a raiva interior do agressor ao grupo que o calou. A educação e o tempo mudam a cabeça das pessoas. Uma regra muda apenas o que ela pode expor.
Eu também já mudei. Já fui homofóbico, já fui mil coisas das quais não me orgulho. Mas todas elas foram um processo. Toda vez que alguém me proibia de fazer piada com “viado” eu não repensava o preconceito. Eu aumentava a raiva dentro de mim. Porque não estava sendo educado, estava sendo censurado.
Não adianta NADA proibir pessoas de gritar “viado” se dentro delas isso ainda for uma ofensa. Se eu fosse negro, não me sentiria melhor por um racista me olhar e não PODER me chamar de macaco. Eu só teria um mundo melhor se ele nem sequer pensasse em me chamar de macaco.
Calar a boca de alguém não muda o que ia sair de lá de dentro. Se você mudar o que tem lá dentro talvez não precise calar a boca de ninguém.
O futebol leva o ser humano a expor o seu pior e seu melhor. Você pode usar isso para notar, entender e reeducar, ou censurar para não ver o problema.
Problemas eu enfrento. Outros cobrem. São escolhas.
Nenhum torcedor homofóbico deixou de ser homofóbico nesta sexta-feira. Diversos deles se tornaram mais homofóbicos ainda pela forma com que tentaram censura-los.
Se você acha que assim resolve… é um caminho. Eu não deixei de ser homofóbico porque me obrigaram. Mas porque tolerantes gays me ensinaram que não havia diferença e nenhum problema ali.
abs,
RicaPerrone