Sem bola

Tolerância e coerência


Todo dia a gente evolui e revê algum conceito sobre a vida. Costumo dizer que se hoje você não achar que há 10 anos era um idiota é porque ainda é. Mas essa evolução nunca foi saudável quando feita no grito.

Uma vez eu conheci um cara que morava nos EUA e caçava todo ano numa temporada determinada sei lá eu aonde.  Eu gosto muito de animais, embora adore churrasco, e um dia o questionei sobre ele matar animais “por esporte”.

Ele me deu a versão dele, eu defendi a minha e obviamente a minha era muito melhor e mais razoável que a dele. Mas ele não mudava e nem abria espaço para isso, apesar de ser alguém muito inteligente. Dias depois estávamos falando sobre a nossa infância e ele me contou que perdeu seu pai há alguns anos.

Sua memória mais forte do pai era a caça. Foi o pai que o levou caçar, quem ensinou como fazer e ali passaram muito tempo juntos. Para ele caçar era uma forma de estar próximo ao pai, de mantê-lo vivo, ainda que racionalmente soubesse não ser correto.

Há 2 anos eu fiz parte de uma ação maneira no Recreio com crianças. Era um evento de caridade onde distribuíamos uma pulseira por criança e em seguida dávamos um presente por criança e tirávamos a pulseira para controle de quem já recebeu.

O pai das crianças pegava a pulseira do chão e dava ao filho novamente para que ele tentasse levar 2 brinquedos ao invés de um, mesmo sabendo que alguém ficaria sem.

Eu não tenho dúvida que um dia essa criança vai entender o erro, mas até isso acontecer vai levar um processo grande na cabeça dele que não envolve alguém gritando no ouvido dele que é “errado”, mas sim dele conseguir entender e aceitar que o pai dele estava errado.

Dizer pra um simples torcedor de futebol que ele está sendo escroto ao chamar o rival de “viado” num estádio não é dizer apenas que é homofobia. Há um pai por trás disso que o ensinou a fazer isso.

Não se trata de mudar um conceito apenas. Se trata de rever o seus pais. E não é fácil pra nenhum ser humano ver que seus exemplos erravam, deturpavam conceitos e lhe deram também coisas ruins.

Tolerância pra mim é entender os motivos do outro sem perder o valor.  Eu consigo entender um caçador como esse meu amigo, mas não posso deixar de achar errado a caça pelo esporte.

Eu posso compreender uma série de erros culturais que a gente carrega como machismo, homofobia, mas não posso deixar de condena-los. O ponto é onde você corrige o problema.  Na censura ou na educação?

É absolutamente estúpido imaginar que nós, evoluídos e muito mais informados que nossos pais, sejamos menos tolerantes que eles para com o próximo esperando mudar o mundo. Educar dá trabalho, bem mais trabalho que criar uma hashtag.

Calar os preconceituosos não tira o preconceito de dentro deles. E portanto não resolve o problema. Mostrar pra eles o erro sem tentar destrui-lo, talvez salve uma próxima geração.

Mas dá trabalho, requer tolerância e menos ódio. Aquilo que você prega contra ele, lembra? Então… use.

abs,
RicaPerrone

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