Vazio
Vazio ficará o Pacaembu, o quarto do garoto boliviano e tantos outros natais de famílias que perderam seus filhos por causa de futebol. Vazio ficará sempre quando pensarmos que tudo isso chegou ao ponto que chegou sem que jamais tivessemos conseguido o mínimo de esforço da justiça para melhorar.
Hoje falam em banir clubes, suspender de torneios, comparam a Inglaterra.
Puniram o Corinthians, o que pra alguns é ótimo, pra outros patético. Tô na segunda turma.
Pouco importa. São apenas idéias.
Questão mais relevante é saber se estamos discutindo futebol ou caso de polícia. Se falamos de bandidos ou de torcedores. Se estamos procurando no futebol o mesmo que eles: Motivo.
Talvez a idéia de começar a punir clubes seja interessante. Talvez descubra-se com isso que não estamos lidando com paixão, mas sim com criminosos. E não são “as organizadas”, nem “os clubes”. São 10 ou 15 que ganham algo com isso e levam todo o resto pro descrédito com eles.
Passamos o dia discutindo se o Corinthians deveria ou não ser um dos punidos. Formas e teses sobre como resolver um problema sem fim, que na minha opinião não diz mais respeito a futebol.
Se punirmos o clube fazemos com que os próximos erros sejam mais vigiados pelos demais torcedores. É quase a terceirização da segurança, uma transferência de responsabilidade da polícia, que nunca fez o seu trabalho nos estádios como deveria.
O governo sempre mandou a PM escoltar bandido para leva-los até os homens de bem, não prende-los. Futebol sempre foi o argumento usado para que agissem livremente, e agora, quando convém, podemos inverter e usa-lo para achar soluções para um problema social.
Gosto de radicalizar. Só não quando não foram queimados os cartuchos. Aí vão dizer que já tentaram de tudo. E eu pergunto a você, torcedor: Qual a primeira tentativa de se evitar esse tipo de coisa?
Punir quem faz. Em algum momento na história deste país isso aconteceu? Não. Então porque vamos ao último dos casos?
Jamais tivemos o cuidado de cobrar de fato a primeira iniciativa. Porque queremos a radical e “última tentativa”? Quem vai preso quando briga no campo? Quem responde pelo copo atirado? Quem é que tem medo de atirar um objeto em alguém sabendo que sairá de lá 30 minutos depois do jogo liberado pela polícia?
Dá um vazio.
Uma sensação escrota de passar o dia brigando por teses, idéias e formas de solucionar o que TODOS querem ver solucionado, menos alguns. E estes alguns, por motivos que desconhecemos, sempre conseguem vencer a maioria.
Os clubes os sustentam, dizem. E é gozado como não citam que a tv e o carnaval também os sustentam neste caso. Assim como a polícia os escolta.
Não é um clube, não diz respeito a futebol. Vai além disso, muito além.
É social, cultural, covarde, fruto de uma sociedade que faz 2 dias de discurso e esquece no terceiro. Quantos morreram? Daqui a 3 dias, ninguém fala mais no assunto. E daqui a 2 anos, quando outro morrer, todos voltam a falar como quem tivesse de fato cobrado alguma coisa neste intervalo.
Há hipocrisia, má fé, esperança, mentira, verdade, desinformação e vaidade.
Me perguntam se eu quero um futebol melhor. E eu dou risada porque honestamente não posso pedir um “futebol melhor” em meio a uma sociedade comandada por bandidos onde preferimos pedir segurança ao traficante do que ao policial.
Não é futebol.
É um problema nosso, de todos nós, todo dia, toda hora, em qualquer capital.
Usaram o futebol para se esconder e cometer crimes. Vamos usa-lo pra fingir que achamos a solução?
Não, né?
O futebol reflete as cidades que moramos, as polícias que nos protegem e os perigos que enfrentamos. Não o contrário.
Pacaembu estará vazio daqui pra frente.
Como se ali estivesse o problema, como se lá fosse iniciar uma solução.
Vazio. O estádio, nosso poder de reação, nosso senso de justiça e a nossa idéia de vingança.
A morte no futebol choca mais, mas não tem diferença nenhuma pra morte na rua escura de um morro que sequer sai no jornal.
Acredite: O problema é o mesmo, o criminoso quase sempre também. Só que num dos casos pedimos cadeia, no outro, suspensão de mando de campo.
Somos ou não cumplices dessa merda?
Foda-se o nosso futebol. Minha preocupação é nossa sociedade.
Achar que num ambiente de paixão poderemos controlar o que não controlamos fora dele é de razoável imbecilidade.
É de fora pra dentro, não o contrário.
O futebol é vítima, não culpado. E sequer motivo.
Deixem o futebol em paz.
abs,
RicaPerrone