Fórmula 1

Vocês nunca vão entender

Estou terminando de ver a série do meu super herói. Obviamente emocionante, muito bem feita e focada na carreira de Ayrton mais do que na vida, o que acho sensacional porque a vida de ninguém deveria ser problema do público.

Mas enquanto assisto eu vejo algumas pessoas mais novas que estão próximas a mim e eles ficam impressionados com o que ele fazia. O quão bom ele era, o quanto o Brasil se mobilizava por ele e ao final buscam naturalmente uma comparação atual pra entender o que foi tudo aquilo.

Meus caros “jovens”, com todo respeito, vocês nunca vão entender. Nem passarão perto disso simplesmente porque o mundo de hoje não comporta um Ayrton Senna e nem permitiria que ele fosse o que foi.

Ayrton não era um esportista que nós admiramos. Isso é o Messi, o CR7, o Neymar. Ayrton era a nossa única alegria. Vocês não tem noção do que é ir no mercado de manha porque a noite é mais caro. Nosso entretenimento era coletivo, único, chamava-se futebol. Todos viam o mesmo jogo, discutiam o mesmo tema e acompanhavam todos os clubes. Era um planeta que você nem conheceu, talvez.

Senna não era nosso piloto. Era nosso único motivo de orgulho. A gente se sentia o lixo do mundo sendo brasileiro. Nossos políticos eram ridiculos (nada mudou), a gente não tinha acesso a nada, um telefone valia mais que um carro, nossa seleção não era campeã desde 1970. A gente tinha muito mais motivos do que hoje pra exercer nosso complexo de vira-latas.

Imagine que não tem internet, netflix, série, rede social, filme só o da Globo as segundas-feiras, futebol só aos domingos e o seu meio era restrito geograficamente. A gente só convivia com quem morava perto. Eram os vizinhos, os amigos reais, próximos. Outro planeta.

Por anos nossa alegria foi acordar domingo e antes do almoço em família, que era algo sagrado, comemorar abraçado aos nossos pais a vitória do nosso único brasileiro no mundo que dava certo.

Esse cara fez o domingo em família de milhões de brasileiros ser mais feliz por anos e anos. Ele tirava lágrimas de alegria de um pai que não sabia como seria a semana e se teria como aguentar a inflação pra fazer mercado. Ele fez a gente acreditar que ser brasileiro não era um problema. A Marvel cria super poderes de mentira e nem assim inventou algo tão impressionante.

As melhores memórias das nossas vidas estão num domingo em casa com a família e não na internet ou num computador. Nosso mundo era 100% analogico, humano, real. Ayrton era nosso Batman entrando em Gotan pra salvar nossos dias. As pessoas que o avaliam como um piloto de corridas não tem a menor idéia do que estamos falando.

Enfim, vocês não vão entender. Porque mesmo numa série o foco é o quanto ele era foda pilotando. Mas a melhor das séries seria mostrar uma família miserável, em crise e sem perspectiva se abraçar e comemorar como se nada de ruim existisse por algumas horas.

Ayrton foi o que nós brasileiros sonhamos ser: exemplo. Só que ele fez por onde, a gente é um país de acomodados que aceita o absurdo na nossa cara e ainda briga por ele. Senna era tudo que o Brasil não podia ser. Senna era o filho que a gente queria ter, o marido que elas queriam, o herói que as crianças esperavam e o alívio de uma vida filha da puta que todo pai de família tinha nesse país.

Curtam a série. Pra maioria dos jovens será uma “Casa de Papel” qualquer. Mas saiba, garoto, que você está assistindo talvez a história criada por um cara para que seu pai tivesse aguentado a semana toda esperando por ve-lo domingo.

Saiba que esse cara é responsável pelos abraços mais fortes que muito pai e filho ja deram na vida. E saiba que a gente entende que seja impossível pra você dimensionar, assim como é pra nós resumir Senna num texto, num filme ou até mesmo numa série.

Nosso super herój usava capacete, tinha super poderes, não nos decepcionava e tem um extra que anula qualquer chance dele se repetir: ele era real.

Rica Perrone

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo