No caldeirão
Pode ser que não faça sentido a uma enorme geração de torcedores que sentem o que sentem pela tv. A outros, acima dos 35 anos, fará sentido sem legenda.
Nunca tinha ido a São Januário. Sou de São Paulo, moro no Rio há 10 meses apenas, enfim. Quando digo que vou me dizem que serei assaltado ou assassinado, num daqueles discursos típicos do carioca que tende ao extremo de “pode andar de anel de brilhante ali” ou do “se pisar ali morre”.
Não morri. Ao contrário, revivi muita coisa.
É lindo! Antigo, sem padrão FIFA, longe dos estádios modernos cheios de conforto, mas é um campo de futebol.
Tem churrasquinho de gato na porta (ótimo, por sinal), fila pra entrar, empurra empurra, perrengue, chuva na cabeça, mijo no corredor…
Mas peraí, Perrone! Vai me dizer que gosta de mijo no chão!?
Não, claro que não. Aquilo meramente me remete a um tempo que nunca mais voltará. Eu fatalmente, em 3 ou 4 anos, não sentirei mais nojo do chão de um estádio moderno. O que acho ótimo, diga-se.
As bandeiras, os bandeirões, o improviso pra colocar a faixa. A dificuldade de se organizar uma festa pro time entrar, ou a divisão de torcidas que limitam espaços e ideais pelo mesmo fim.
São Januário é o que há de mais “puro” no Rio de Janeiro quando se diz respeito a uma partida de futebol. Você cruza a avenida Brasil e volta no tempo uns 10 anos, pelo menos.
Atrasados? Ou conservadores, talvez?
Um pedacinho de história no meio de uma favela, cercado por uma sensação constante de “território não explorado” graças a escuridão das ruas em volta. Misto de “medo” com desafio. Sensação de “ir ao jogo” sofrendo dificuldades, que torna sua ida parte da vitória ou da derrota.
Em São Januário me senti parte do jogo como nunca senti no Engenhão, por exemplo.
Prefiro levar minha esposa ao Engenhão. Mas sozinho, com amigos, afim de comer um churrasco de gato na porta, me foder pra entrar e sair, tomar chuva e reviver o que me apaixonou lá no começo… prefiro São Januário.
Me diverti como raramente pode um jornalista. No meio da torcida, de arquibancada, embaixo do bandeirão, cercado de caras e bocas dignas de uma exposição.
Tem o que reza, o que grita, o que esconde o rosto na bola adversária. O que faz sinal da cruz como quem perde o gol, o que briga com a torcida pra que cantem com ele. O que não canta, o que xinga, o corneteiro, o que o contesta.
O que bebeu demais, o que bebeu de menos. O que acha que virando a camisa do avesso o time ganhará o jogo. O que jura que, com aquela bermuda, nem com Pelé em campo.
Mas, acima de tudo, tem alma.
Eu sei que conheci a casa sem o dono. Mas não vai faltar oportunidade.
Vida longa ao Caldeirão.
abs,
RicaPerrone