O que o tempo não pode apagar
Caro Tempo;
Não te conheço mas reconheço sua força. Sei te medir, dosar, te gastar. Mas não consigo te compreender.
Porque ora passa tão rápido e ora tão devagar? Porque tão implacável, silencioso e traiçoeiro?
Você, Tempo, é nosso bem maior. Queria eu ter “todo tempo do mundo” pela frente, ou mesmo poder te parar. Se pudesse, hoje, te retrocederia, inclusive.
E não, não seria eu. Eu pediria ao Rei Pelé. Pediria que lhe desse o poder de assistir, em vida, o que estamos todos dizendo hoje, quando ele está morto.
Esse país tão vagabundo só sabe dizer “te amo” pra quem não pode mais dizer “eu também”. É preciso morrer aqui pra ouvir o que se merece. E aí você não permite.
O tempo de quem reverencia é um, o do reverenciado é outro. E nesse intervalo se desencontram o “obrigado” e o “não tem de que”. O “eu te amo” e o “eu também”.
Porra, Tempo. Você é radical demais.
Eu sei que você vai me dizer que “era a hora dele”. E quem sou eu pra discutir com o Tempo, mas … precisava esconder dele, justo dele, o maior de todos, o quanto a gente queria dizer “obrigado” e não encontrava… tempo?
Só que agora você foi longe demais, Tempo. Porque pela primeira vez você vai descobrir que nem tudo você cura ou apaga.
Você vai passar, passar e passar. E não vai conseguir esquece-lo. Não por nós, que somos uns infiéis que sequer conseguimos dar a quem nos deu tanto um pingo do reconhecimento que merece. Mas por ele.
Esse cara que você levou hoje não te respeita.
Foi sempre a frente do “seu tempo”. Nos deixou esperando o Natal para que desse tempo de termos uma ceia feliz. E agora, quando você acha que escolheu a hora, foi ele quem decidiu quando, onde e perto de quem.
O que se fazia num tempo de 2 segundos ele fazia em meio segundo. O tempo pra se consagrar foi infinitamente menor pra ele. O tempo pra estar pronto, pra mudar nossas vidas e pra transformar pano amarelo em lenda você não conseguiu controlar.
Mil gols numa vida não daria tempo.
Acha que agora, com ele morto, vai conseguir estipular o tempo que vai levar pra esquecermos dele? Nem perca seu tempo, Tempo.
Há tempo ainda de mostrar isso pro Zagallo, pro Zico, pro Dinamite, pro Romário, pro Ronaldo, pra tanta gente que nos deu alegrias, memórias e engrandeceu nosso país.
E não ouse se precipitar, Tempo. Nos dê um tempo pra sofrer, pra aceitar, aprender e mudar.
Por hoje chega. Não deu tempo de entender ainda. E nem com todo tempo do mundo eu escreveria algo capaz de sequer me aproximar do que merece nossa majestade, o Rei Pelé.
Vida eterna ao Rei! E eterno é ausência de tempo. Esse você não vai levar.